Memória Social

Brasil e Argentina: A Igreja e o Estado

As atitudes dos presidentes Lula e Kirchner a respeito das cerimônias pela morte do papa (João Paulo II) foram contrapostas. Como se sabe, Lula rumou para o vaticano e com ele, a seu convite, voaram dois ex-presidentes, líderes de outras religiões, políticos, etc. Enquanto isso, Kirchner ficou em Buenos Aires, limitando-se a enviar representante.

A atitude do presidente argentino prende-se à sua visão liberal acerca de temas comportamentais, que acabou se chocando com um truculento capelão militar, o bispo Antonio Baseotto. Numa alegoria sinistra, que se nutre das imagens da ditadura militar, o bispo declarou que o ministro da Saúde argentino, Ginés Gonzáles, em razão de sua defesa da descriminação do aborto, merecia ser "atirado ao mar, com uma pedra no pescoço" - Kitchner não foi atendido pelo Vaticano, em seu pedido de remoção do bispo. Diante disso, revogou o decreto que designava Baseotto para a nunciatura das Forças Armadas, suspendeu seu salário e decidiu não ir ao Vaticano, ao menos para o enterro do papa.
As condutas episódicas diversas do presidente brasileiro e do presidente argentino abrem-se para o tema das semelhanças e diferenças históricas das relações entre o Estado e a Igreja Católica nos dois países. As diferenças avultam e, aqui, tomo um único, mas expressivo exemplo, dentre vários outros: o de dois regimes tidos como muito semelhantes - Vargas e Perón.
Para se entender as distinções, é preciso levar em conta o pano de fundo institucional. A partir da Constituição Republicana de 1891, deixou de existir no Brasil uma religião oficial, enquanto, na Argentina, a Constituição de 1853 criou uma relação de entrelaçamento ambíguo entre a Igreja e o Estado. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, o texto constitucional argentino não definiu a Igreja Católica como religião do Estado, mas estatuiu a obrigação estatal de "sustentar a Igreja", além de dispor que o presidente e o vice-presidente da República seriam necessariamente católicos.

("Memória e História". Boris Fausto, p. 44, Graal: São Paulo, 2005).

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